Parto Humanizado Hospitalar
Relato de Parto da Aline Toledo
Relato de parto humanizado do Coletivo Nascer em São Paulo Água Branca

Relato de Parto da Aline Toledo

Quando o Coletivo começou a atuar, eu engravidei. Parecia que estávamos destinados, apesar de que meus planos eram outros. Queria um parto natural, porém era pra ser em casa.

O plano de saúde mudou logo quando conhecemos a proposta do coletivo e, sinceramente, só optamos por um parto hospitalar pela oportunidade de reembolso.

Fiz curso de doula no Gama em 2015 para não fazer besteira fotografando partos.

Havia fotografado alguns partos domiciliares e sabia que era seguro.

Mas bora optar por um bom hospital e reembolso, né?

 

Cecilia (escolhemos o nome por causa da série The Office que estávamos maratonando) não foi planejada. Estávamos nos organizando para imigrar.

Não era pra sabermos o sexo dela, mas o médico da ultrassom falou demais.

O chá revelação para família não deu certo pois entregaram o bolo errado.

Queríamos ir ver Vingadores na estreia, mas a bolsa estourou no dia anterior.

Bem… Nós só fizemos foi rir durante tudo isso. Ela queria o que ela queria e decidimos respeitar.

 

Eu tinha chegado num ponto da gravidez que achava que eu era o Benjamin Button das gravidez: ia retroceder até não estar mais grávida hehehe. Um tampão saiu com 34 semanas. Com 35 a bebê encaixou (e é surreal a sensação dela se encaixando. Muito intensa!). E, de repente, eu já tô pra lá de Bagdá das 40 semanas e… Nada! Nada acontecia e eu nada sentia.

Tinha feito um milhão de planos pra datas bacanas de lembrar e significativas… Pff! Ledo engano.

 

Dia 24/04, 4 dias após a DPP, a bolsa estoura enquanto eu tomava meu café da manhã. Uma mordida na maçã, aguaceiro por todo lado e eu, incrédula e rindo, pensei: você não vai me deixar mesmo ir ver os Vingadores, né filha? (Os ingressos estavam comprados para dia 25 a noite).

Terminei de tomar meu café entre fotos de líquido e mensagens com a Paula, uma das minhas parteiras crush.

 

Fui tomar um banho para ir ser avaliada pela equipe durante o grupo de pré Natal das 14h. Minha última consulta agendada era às 16h e era melhor avaliar cedo para impulsionar o parto se precisasse.

Nenhum sinal de parto. Nenhuma contraçãozinha. Só incômodos mesmo.

Saí da consulta com orientação de descanso, acupuntura de indução e shake de óleo de rícino.

Saindo da consulta, passei no shopping de perto de casa e comi um prato de pedreiro bem caprichado. Aqueles que só o corpo que está preparando para parir aguenta. Era tão grande que veio em 2 pratos! (Pensando bem, deveria ter desconfiado, pois na terça a noite comi um hambúrguer maior que do marido e irmão juntos, e eu fiquei um nojo para comer durante a gravidez, não tinha apetite antes). Consegui um horário na agenda da Thais Olardi pra que viesse me fazer acupuntura de indução. Escrevi sobre tudo isso no diário da conejita (coelhinha em espanhol, apelido da Cecilia por conta de Narcos), e fizemos a sessão. 3 contrações durante as agulhadas. Ok. É um começo.

21h fiz uma vitamina de maçã e banana com aveia e misturei as duas benditas colheres de óleo de ricino na vitamina e tomei – não era o inferno que eu esperava, porque meu inferno viria depois e à galope.

Fiz um escalda pés com ervas relaxantes, vi umas séries e vídeos de YouTube e “fui dormir”. Pobre de mim. Precisava estar descansada, lembram?

Achei que ia acordar de madrugada com dores incômodas que iam aumentar e umas 14h iria pro hospital como naqueles relatos de parto lindos e suaves que agora soam quase como que contos eróticos para mim.

 

23h30 começa minha via crucis. Benzadeus que tortura é a cólica de óleo de ricino! Deus pai herói tenha misericórdia das mulheres que, como eu, passaram seus prodromos no vaso sanitário com sono, com cólicas intestinais fortíssimas que fizeram as contrações que vinham em seguida parecer uma caminhada no parque!

E eu só pensava em dormir… 00h30 entro no chuveiro. Pensei ter passado uns 20 minutos e já tinha passado uma hora.

Entre uma pausa na água e outra para o cocô, peguei o celular e comecei a cronometrar enquanto o marido dormia.

Às 2h da manhã as contrações eram uma loucura! Intensas de 2 a 5 minutos de intervalo com durações de 45 a 75 segundos.

Eram precisos? Não. Esquecia de começar ou parar de cronometrar. Mas a cara era bem de “não serei inconveniente chamando a doula a essas horas”.

Liguei para a Thainá, minha doula e colega de curso de doula. Ela chegou as 3h30 da madrugada.

Levei 5 contrações para conseguir colocar um vestido.

Lembro do Adriano correndo de um lado para o outro para colocar tudo em ordem. Ele era só disponibilidade.

A Thainá era só olhos. Não lembro dela falando muito, mas ela estava lá. Olhando e segurando mãos.

Eu era só gritos bem vocalizados em AAAAAAAAAAS. Era o que lembrava. Vocalizar e respirar.

Já tinha separado 2 “trocas” para caso eu me molhasse no TP. Não precisava estar nua o tempo todo. Spoiler alert: nas 6h de TP ativo eu não soube o que era roupa.

 

Entramos no carro e antes de chegar na esquina eu já estava mandando parar. Adriano se desesperou. Eu me desesperei.

Thainá deixou de ser apenas olhos e mãos e me convenceu a ficar de 4 no carro.

E de 4 apoios eu não saí o resto do parto!

Bola, banqueta… Nada me sustentou muito.

Meu negócio era agachada em quatro apoios.

4h24 chegamos no hospital. Antes de por os chinelos nos pés veio uma contração. Trabalha nos vocais. Um casal fofo se internando sorri em simpatia.

Depois de insistir que eu ia a pé para o segurança do hospital porque não havia a possibilidade de sentar na cadeira de rodas, veio outra contração bem forte e uma enfermeira brotou do chão. O casal já não sorria.

 

Cheguei andando na triagem. Consegui deitar para ser avaliada e o exame de toque não doeu graças aos céus. Conclusão da médica: dilatação total.

Eu não sabia que dra do coletivo estava de plantão. Sabia da Paula. Cadê o celular? Tá no carro. De repente estava sozinha: marido correndo no carro para pegar celular. Doula correndo no armário para guardar as coisas e ambos se trocarem. As enfermeiras do plantão brincaram: não faz força que vai nascer no elevador… Como se fosse possível recusar a força de puxo, mas ok… Não era minha hora ainda.

 

Chegamos na sala cirúrgica e meu primeiro pedido foi pra entrar na água.

Desde que saí do chuveiro em casa só pensava em voltar pra água!

Paula me explica que na sala cirúrgica não tem chuveiro, mas ia ter bola, banqueta, o que mais eu precisasse. Ok… Minha hora não chegou ainda.

Com a transferência as contrações diminuíram. Vi a dra Renata lá, outra crush minha, a única que conseguia me tirar da partolândia com a força de um sussurro. Eu ouvia tudo o que ela dizia. Ninguém mais.

Uma hora, na bola, vi a Mayara Neves, minha fotógrafa. Que alegria… Ela tinha chegado voando. Um pesadelo meu era um parto a jato e não ter fotos disso. Como fotógrafa eu sabia que teria falta delas.

Pronto. Equipe completa.

 

Os eventos na sala cirúrgica são confusos, não cronometrados, estava muito louca já.

Lembro da Paula comprar briga por mim com uma médica plantonista logo que cheguei na sala cirúrgica. De resto é a festa do boi na minha cabeça… Uma hora, sentada na bola ganhando carinho da doula e do cônjuge, eu disse para a Paula: ” parto orgásmico é meu c*!” Reitero aqui meu pedido de desculpas pela grosseria. Mas achei que xingaria muito mais. Esse foi meu único palavrão. Tô orgulhosa de mim.

Paula me fez acupuntura para voltar a ritmar as contrações e me fez me mexer para a bebê descer.

Cantei de alma “A partida e o norte” do Estêvão Queiroga. Adriano e eu chorávamos. Nunca uma música foi tão catártica na minha vida.

Na banqueta fiquei com medo de me machucar. Tinha muita pressão lá embaixo. Comecei a chorar e lembro que depois disso, talvez 1 minuto, talvez 1 hora, a dra Renata me avisou com toda aquela paz que ela emana que tinha uma delivery pra mim.

Ah que alegria. Mas eu estava muito louca. Pensei: precisa não, num aguento sair daqui.

Descobri esses dias que eu cheguei a falar isso e a Paula não deixou. Ela sabia que eu sonhava com parto na água no pré Natal e que eu queria água no TP. E que aquilo era só o cansaço falando. 

Tudo isso aconteceu alguma hora, mas não sei quando. “Só sei que foi assim”, como Chicó diria.

 

Finalmente me deixaram ir de quatro pra algum lugar! Me puseram na maca e lá vou eu: bunda pra cima e gritando pelos corredores.

Algo dentro da minha cabeça falava: ” mulher, que escândalo… Tem gente dormindo” mas a razão estava amordaçada pelo turbilhão de vida saindo de mim. Que presente é a partolândia.

Nem todas têm, mas eu compraria a droga que me fizesse voltar para lá rsrs

Cheguei na delivery, talvez eu tenha sido levada até a banheira, mas não lembro. Uma hora estava na maca, na outra na água.

Agora sim, chegou minha hora!

 

Tudo na banheira foi melhor e mais fácil pra mim. Eu queria casar e ter filhos com todo mundo que me jogava água quente.

Meus gritos foram começando a ficar guturais e a vontade de fazer força veio.

Foram várias, por horas… Na verdade não. Quem estava no tempo e espaço normal disse que foi uma meia hora estourando. Pra mim pareceu dias.

Os gritos me irritaram porque vinham do umbigo, parecia que ia ficar rouca, parecia que estava incomodando as pessoas… Entre um grito e outro eu pirava nas peles da descamação da Cecilia que saíam no líquido amniótico (ela começou a descamar na barriga), lembro de ficar admirando que pareciam mini águas vivas. Falei que a droga é da boa!

Estávamos só nós 3 na sala da banheira: marido, doula e eu. Lembro de ficar ressentida com isso: “vou parir e ninguém vai ver”… A louca.

Uma hora veio um grito forte e compriiiiiiido.

Parir parece fazer cocô. E fazer cocô no pós parto parece parir. Fica o spoiler pra quem ainda não chegou lá.

De repente abro os olhos e estava cheio de gente na sala. Até uma galera que eu não tinha visto ainda (a pediatra do Coletivo – dra Leticia, a médica que assumiria o plantão – dra Luisa, e talvez uma enfermeira do hospital, mas eu não sou fonte confiável).

Vi em algum momento a Mayara de cócoras no murinho da banheira. Pensei em elogiar o potencial do joelho dela mas veio mais um grito. Deixa pra lá.

 

A Paula me pediu para ficar de pé e rebolar, que ela estava muito perto, só precisava terminar de descer… Eu quase chorei falando que não conseguia levantar. Ela tinha tanto amor pra me falar: “consegue sim, vai no seu tempo que você consegue”.

Media o tempo em contrações. Foi umas 4 pra subir, mas quando cheguei lá em cima tive um momento sublime: senti a Cecilia se ajeitando pra descer, mexendo os ombrinhos… Meu Deus do céu! Foi a coisa mais maravilhosa que já senti na vida!

Duas contrações em cima, e provavelmente 3 ou 4 contrações para descer e já estava de joelhos na banheira.

 

Daí veio o círculo de fogo.

 

Veio que veio quicando! Ardeu! E eu ri.

Pensa comigo: parecia que eu estava há dias parindo. Parecia que eu ia passar mais dias ali. Quando veio o círculo de fogo eu pensei: acabou! Eu pari. 

E eu ri. Gargalhei de jogar a cabeça pra trás.

Passava a mão no cabelinho dela e no intervalo de umas 3 ou 4 contrações ela nasceu.

 

Paula a pegou e entregou para o Adriano que veio com a nossa neneca mergulhada na banheira.

Nossa conejita havia nascido.

Eu só conseguia comemorar que ela era de verdade. “Ela é de verdade, ela é de verdade!”

Parece absurdo, né? Mas lembro de um post no Instagram da Rafaela Carvalho, autora de “60 dias de neblina” que fala sobre o momento de final da gravidez que eu sentia que Cecilia nem nasceria. Ficamos em um ponto de suspensão do tempo em que não há passado, presente nem futuro. Não sei explicar. Mas eu senti. Ri, esperei, chorei, me desesperei e existi nesse momento estranho da minha vida.

 

Cecilia nos olhava com cara de poucos amigos, como “me acordaram para isso?”, e então, de barriguinha para baixo, já fora d’água, ela decidiu respirar e usar a voz mais linda que já ouvi. Não lembro se era choro ou reclamação, mas eu lembro que era lindo.

E cá estava, com 3,810 kg, 52,5 cm, apgar 9/10, olhos cinzas, a cara do pai, a boca e cabeleira da mãe, 40 semanas e 5 dias de gestação, às 9h06 da manhã de 25/04/2019, quinta-feira, a menina mais bonita do universo. 

Uma criança gentil. 

O meu amor: Cecilia Dias de Toledo.

 

Eu pari. 

A laceração foi pequena e superficial. 

Eu tive A equipe. Eu tive O parto. Eu tive AS fotos. 

Eu não sou rica. Eu não sou boa. Mas eu sou sortuda e privilegiada. E acima de tudo, eu sou feliz.

Vejo a beleza de tudo o que vivi e não poderia ter sido melhor.

Obrigada Coletivo Nascer e Coletivo de pediatras. Obrigada Mayara Neves. Obrigada Thainá Teixeira. Obrigada Adriano… Meu amor, melhor amigo, e pai da minha vida inteira.

Obrigada Deus. 

Obrigada Cecilia, minha doçura.

Desejo que quem leia isso aqui seja tão feliz quanto eu fui. À sua própria maneira, com as dores e delícias de ser quem se é.

A minha hora chegou. Bem-vinda, conejititita.

Este post tem um comentário

  1. Aline, que delícia de relato! Morri de rir, quero uma vibe de partolândia como a sua! Obrigada!
    E que vc, Adriano e sua coejita sejam mto felizes e levem alegria por onde forem!

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