Parto Humanizado Hospitalar
Relato de Parto da Yurika Kawaguchi

Relato de Parto da Yurika Kawaguchi

O meu trabalho parto começou 28 dias antes do Bento nascer… mas deixa eu começar do início! Primeira gestação, extremamente desejada. Eu como mulher me preocupei em me cuidar fisicamente para ser mãe, emagreci 15kg, controlei a SOP, fiz acompanhamento com psicologia, conversei com amigas. E em agosto eu me olhei no espelho com o exame nas mãos e falei: “vc é uma Deusa da fertilidade”. Acho que toda mulher que tem dificuldade ou medo de ter dificuldade de engravidar quando vê o resultado positivo se sente assim… poderosa e fértil! Iniciei o pré natal com uma equipe, mas que não contemplava o meu desejo de parto humanizado, de decisão compartilhada, de ter a opção por parto normal. Logo, por indicação de uma amiga, fui atrás do Coletivo e me apaixonei só pela descrição do FB. Juro, até chorei de alegria! Parto humanizado e hospitalar era possível. Pré natal coletivo, diferente… mas muito interessante. Tantas grávidas, com histórias diferentes e o mesmo desejo, unidas em uma sala para troca de experiências. Eu tinha a certeza de que me parto seria lindo, amoroso e transformador… e ele foi, mas não da forma como eu imaginava.

A DPP do Bento era dia 11 de abril de 2019. Mas por uma insuficiência/ incompetência istmo cervical ele nasceu 4 meses antes. Nos 3 dias anteriores ao dia 28 de nov 2018 eu vinha mandando fotos para a Ana Cris de uma secreção bem clarinha que estava saindo quando eu fazia xixi,  no dia 28 essa secreção saiu com sangue, como eu não tinha dor e esse sangue não era continuo, aguardei para ir fazer o US do segundo trimestre que estava agendado para o final da tarde. Eu me lembro de ter trabalhado naquele dia, sou fisioterapeuta de UTI pediátrica. No final da tarde, fui surpreendida, a medica do US me disse que o meu colo do útero estava aberto com saída de parte da bolsa amniótica para o canal vaginal, aquela secreção com sangue que havia saído no final da manhã era o meu tampão mucoso. Assustada, eu só conseguia chorar, meu marido André estava viajando a trabalho, eu estava sozinha no laboratório, mil coisas passando na cabeça. Liguei pra ele e contei o que estava acontecendo ele tentou me acalmar e logo já alterou a passagem para voltar para SP, liguei para ana Cris e ela já me direcionou para o Hospital São Luiz. Uma amiga conseguiu me acompanhar ate o hospital… de uber, deitada na parte de trás eu só chorava. Chegando ao hospital eu já fui internada e literalmente me viraram de ponta cabeça… se essa  bolsa estava descendo nada como a gravidade para fazer ela voltar, afinal não havia contrações. Fiquei 7 dias internada, desde esse primeiro momento, a equipe do Coletivo, me deu todo suporte que eu precisava, mas foram bem realistas: Se o bebe nascer agora de 20 semanas ele não sobreviverá. Chamaram uma especialista em cerclagem para ver se havia a possibilidade de empurrar a bolsa de volta para o útero e fechar o colo com pontos e isso foi feito, a Dra. Roseane foi muito sincera e dura… “se ele nascer ele não sobreviverá, talvez você devesse trabalhar com a possibilidade dessa gestação não ir mais pra frente e, as chances de um bebe de 24-25 semanas sobreviver sem sequelas é muito pequena”, ouvir isso foi um baque ela estava certa em ser realista nesse momento, mas por confiar muito em Deus eu acreditava que só de não ter abortado, como muitas mulheres abortam por IIC na 20 semana, já era um sinal de que tudo daria certo e que eu tinha que fazer a minha parte e ficar quietinha. A equipe havia conseguido concluir o procedimento com sucesso, mas me avisaram que devido a dificuldade e o pouco tecido disponível para a sutura eu deveria ficar em repouso relativo, sem fazer esforço. E assim após 5 dias eu tive alta para casa. Eu estava feliz e super confiante de conseguir segurá-lo no máximo ate 31 semanas, dadas as circunstâncias: risco de infecção, trabalho de parto… Mas de novo, a bolsa voltou a sair pelo ponto da cerclagem 3 dias depois da alta, dessa  vez eu sentia leves contrações de treinamento e já no hospital a medica avaliou e disse que mesmo com o ponto a bolsa deu um jeito de sair e ficar como se fosse um dedo de luvas exteriorizado no canal vaginal. Com 21 semanas o bebe ainda não era viável, para evitar que meu colo do útero rasgasse com os pontos era necessário a retirada deles. A Dra. Larissa me explicou de todos os riscos que eu e o Bento estávamos correndo, novamente ela reforçou a inviabilidade do feto com 21 semanas e o alto risco em mantê-lo dentro de mim após a exposição da bolsa amniótica ao canal vaginal e todas as bactérias ali presentes. Eu me lembro dela dizer que naquele momento pra ela e a equipe a prioridade era EU, MEU ÚTERO e por ultimo o bebe. Fui informada de que havia grande possibilidade de eu entrar em trabalho de parto assim que o ponto fosse retirado, novamente que meu bebe não sobreviveria e dos riscos de infecção uterina, hemorragia.. e até de morte. Eu não queria morrer, não queria que ele morresse… mas eu estava ciente de todos os riscos e da probabilidade de minha gestação se encerrar após a retirada dos pontos. Não era o meu desejo, mas infelizmente não conseguimos controlar tudo. E naquele momento analisando todas as probabilidades eu estava preparada para tudo que viesse, nessas horas meu lado racional até mesmo como forma de proteção prevalecia. Na noite de sábado para domingo eu não consegui dormir, uma palavra ecoava na minha cabeça… indução! Não conseguia me lembrar de onde ela vinha, se a Dra. havia dito algo do tipo, mas quando parei para refletir, decidi que não induziria.   No domingo de manhã a Jéssica, obstetriz do coletivo entrou no meu quarto, perguntei para ela sobre a indução e ela me disse “ vamos conversar com a médica, mas não iremos fazer nada que você não queira” e isso me deu uma tranquilidade… na verdade, apesar de tudo, ter uma equipe que discute e toma a decisão de forma compartilhada com o você dá uma puta tranquilidade… e quando se trata de gestação é tudo o que vc precisa, ter a consciência dos riscos e a autonomia do seu próprio corpo, mesmo quando a gestação é de alto risco. A Dra Carol entrou no meu quarto e logo disse “ iremos tirar o ponto e induzir e isso acaba hoje” eu expressei a minha vontade de não fazer a indução e ela foi respeitada. Naquela manhã descendo mais uma vez para o C.O. eu só conseguia rezar e mentalizar muito amor para meu bebe, queria que ele sentisse todo o amor que eu tinha por ele e que eu estava fazendo de tudo para que ele tivesse uma chance de sobreviver. Assim que o ponto foi retirado, não houve trabalho de parto, aguardamos por algumas horas, nada aconteceu. Monitorizaram o bebe e ele estava bem, seu coração forte, ritmado e tranquilo… e meu coração ficou igual. Voltei para o quarto muito feliz, agora de repouso absoluto e em posição invertida por tempo indeterminado, mas com um pensamento em mente: vamos conseguir chegar em 24 semanas para ele receber o corticoide e ter mais chances de sobreviver. E as semanas passaram, não é nada fácil ficar de repouso absoluto, presa a uma cama e de posição invertida, eu fazia tudo naquela cama desde banho, alimentação e até minhas necessidades fisiológicas. Mas eu sempre pensava no meu proposito maior, na verdade eu conseguia sentir ele crescendo e se mexendo dentro de mim, e tudo ficava mais fácil. Foram mais 3 semanas de repouso absoluto, na quinta feira dia 20 de dezembro eu consegui atingir 24 semanas e tomar a injeção de corticoide que iria fortalecer os pulmões dele, foi um dia muito feliz, comemorei muito a possibilidade de dar mais uma garantia de que ele conseguiria sobreviver caso viesse antes do dia previsto.  Contudo, no dia seguinte acordei as 6h com a ruptura da bolsa… acordei lavada em liquido amniótico e pela terceira vez fui levada ao C.O. mas não havia sinais de trabalho de parto, quando as médicas avaliaram o colo do meu útero ele havia fechado, ao US meu bebe continuava bem, estável com seu coração batendo no ritmo de sempre 142bpm e sentado… ficamos no CO por algumas horas e nada aconteceu… lembro da Dra. Renata me falar que a probabilidade do Bento sair dessa posição sentada eram baixas, que era como se ele estivesse embalado a vácuo, novamente foram reforçadas as informações a respeito dos riscos, me pediram para avisar se eu sentisse qualquer alteração. De volta ao quarto, eu comecei a pesquisar tudo que podia a respeito de ruptura de bolsa, mas a grande questão era… quanto tempo eu consigo segurar ele? E a resposta veio depois de 3 dias… no domingo dia 23 eu dormi com muita dor nas costas, lembro de acordar as 3h da manhã e chamar a enfermeira porque eu estava tendo contrações ritmadas e fortes… eu já estava em trabalho de parto. Deram-me Buscopan para inibir as contrações e eu consegui dormir. No dia 24 de manhã, acordei com mal estar, além das dores nas costas, dor no corpo e calafrios, avisei a equipe de enfermagem e pedi para contatar a equipe do Coletivo. Quando avaliaram minha temperatura, ela estava em progressivo aumento, não chegava a ser febre mas estava quase, coletaram os exames de infecção e me mantiveram sob observação. Logo a Dra Larissa entrou no quarto, ela me disse que eu estava tendo sinais de infecção, que os exames estavam alterados e que essa batalha e espera já estava chegando ao fim, porque com 24 semanas a equipe médica conseguiria salvar o Bento e dar uma chance dele viver. E naquela tarde as 17:01 o Bento nasceu, de parto cesárea porque ele estava sentado e por ser muito prematuro o risco de hemorragia intracraniana era altíssimo durante um parto normal e portanto a cesárea era a melhor opção. E foi lindo, meu Beautiful boy chegou desse lado rodeado por amigos, com uma trilha sonora deliciosa que eu havia feito para esse momento! A anestesia foi tranquila, o procedimento em si rápido. A Dra Larissa e a Dra Daniela foram muito precisas e amadas. A obstetriz Jéssica foi maravilhosa, segurou a minha mão o tempo todo, me passou muita energia de tranquilidade e amor. E o meu Amor, o pai do Bento foi fantástico, ficou o tempo todo olhando em meus olhos, me fazendo carinho e me dando a segurança de que tudo estava dando certo conforme a vontade de Deus. O Bento não chorou, mas quando me mostraram ele eu vi em toda sua pequenez a força que ele tinha… ele respirava e se movimentava, pesava 740g e media 30 cm, todo vermelhinho e magrinho… mas ele estava VIVO. Logo, ele foi encaminhado para uma salinha anexa onde a pediatra Beatriz fez o que era necessário… ele foi entubado e encaminhado para a UTI neonatal. Naquele momento uma batalha havia terminado, mas outra estava começando. Meu bebe de 24 semanas ainda teria uma longa batalha pela frente… mas essa é outra historia… de muitas lutas e vitórias. Se eu for considerar esse período de UTI neonatal como ainda meu trabalho de parto, foram 129 dias a mais de trabalho e o Bento realmente “nasceu” para esse nosso mundo no dia 03 de maio de 2019- quase 4 meses depois dele ter saído de mim. E ele saiu dessa UTI forte, saudável, sem sequelas aparentes, pesando 3210g e medindo 49cm… O Bento é o nosso MILAGRE… meu do meu marido, da nossa família e acredito que do Coletivo também. Hoje eu só tenho a agradecer a Deus que me deu a certeza de que tudo daria certo, a equipe do Coletivo, (especialmente Ana Cris, Dra. Renata, Luiza, Dani, Olívia, Larissa, Carol, Luana, Flávia, Rafael, Jéssica) que topou continuar me acompanhando e foram maravilhosos e muito profissionais em todo processo, ao meu Marido André que sofreu e aprendeu tudo junto comigo e com o Bento que nunca desistiu e sempre me apoiou nas decisões e por todo amor que ele me fez sentir, as nossas famílias que torceram e choraram junto com a gente e aos nossos amigos conhecidos e desconhecidos que acompanharam nossa jornada e também aprenderam muito com o que vivemos. Coisas inesperadas acontecem o tempo todo… como reagimos a elas é uma escolha nossa e hoje posso dizer que conscientemente não houve sofrimento, apenas AMOR e FÉ.

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