Parto Humanizado Hospitalar
Relato em casal: Lígia e Paulo

Relato em casal: Lígia e Paulo

UM POUQUINHO DE COMO FORAM OS BONS VENTOS DA CHEGADA DO
ARTUR

Ao longo da gravidez nos emocionamos com histórias e relatos de mães e alguns pais sobre o
parto. Combinamos então de fazer um relato de parto compartilhado entre nós – mãe e pai.
Escrevemos dois relatos diferentes e depois editamos juntamente. Abaixo, segue a nossa história
que se passou entre o dia 5 de abril e 6 de abril de 2019. Esperamos que ela sirva não apenas
para termos cada detalhe deste dia inesquecível na memória, mas que ajude mães e pais a se
fortalecerem nas suas escolhas.

Os primeiros sinais
Estávamos com 39 semanas e três dias e era uma sexta feira dia 5 de abril.

Lígia:
Me pego ainda super emocionada de me lembrar do parto… Foi muito bacana!
Sexta à tarde, dia 05/04: depois de uma semana já sem trabalhar, e fazendo mil coisas gostosas
pra mim (tipo ir ao cinema), eu me sentia “pronta” em relação ao tempo. Não seria mais “no
susto” que o bebê chegaria, com mil coisas ainda por fazer, nem seria “muito pra frente”, o que
me deixaria ansiosa.
Comecei a sentir contrações doloridas na tarde de sexta, logo após o almoço, quando tinha ido
deitar pra descansar e ler um livro que queria terminar… Eram umas duas da tarde… Achei que
podiam ser contrações de treinamento, que eu estava tendo há bastante tempo. Há cerca de uns
15 dias às vezes eram doloridas (mas sempre bem irregulares). Porém, nesse dia estavam ainda
mais, digamos, estranhas…rs… Talvez por serem regulares… Olhei no relógio quando veio a
segunda e a terceira: e era um intervalo certinho de 15 minutos… Fui tomar um banho, acessei
meu marido e a doula por mensagem. E coloquei as músicas que havíamos separado pro parto.
Me sentia bem feliz… (não sei se “pronta” é a palavra… Não sei se é possível estar pronta pruma
experiência tão intensa assim… e, no meu caso, inédita…rs… Mas me sentia tranquila e alegre!).
Fui tomar banho cantando, feliz. Tinha dor, mas era leve. E, ao final do banho, as contrações
passaram. Segui a vida…rs…
Durante a tarde meu intestino funcionou bem mais do que nos últimos tempos…rs… Umas
quatro vezes em algumas horas – o que, pro padrão “travada” em que eu estava desde o meio da
gestação, era muito! Praticamente uma diarreia…rs… – o que podia ser um dos sinais de
Trabalho de Parto chegando.
Mais tarde, umas 17h, acho, as contrações doloridas voltaram, ainda bem irregulares. Lembro de
conversar com minha doula, a Carla, e ela explicar que tinha toda cara de pródromos, mas
poderia engrenar em TP ou não. O Paulo chegou em casa, contei como tinha sido o começo da
tarde e como tava me sentindo… Percebi ele também feliz e, digamos, atento! rs… (ansioso não é
uma palavra que eu use pro meu marido…rs…). Fomos juntos comprar umas coisas gostosas pra
abastecer a casa – tipo pão de mel, que amamos. Já tinha separado os chocolatinhos amargos
que ia levar pra maternidade, mas não tinha muita coisa pra casa. E foi legal seguir um pouco a
vida, com coisas “normais”, tipo ir ao mercadinho aqui perto de casa. Acho que tive umas 4
contrações nesse intervalo, de talvez 1 hora ou menos (no mercado, eu só parava, respirava e
esperava passar. E a gente olhava no relógio…rs…).

Paulo

Durante a tarde surgiram algumas contrações, mas minha esposa não me avisou. Cheguei em
nossa casa no fim da tarde e ela contou, mas disse que havia passado. Mostrou a mensagem da
doula dizendo que estava em aberto, poderia passar, poderia voltar à noite e entrar em trabalho
de parto ou poderia recomeçar no dia seguinte.
Ficamos batendo papo tranquilamente, pois já havia passado a correria de trabalhos da semana.
Esperávamos meus filhos chegarem – de 11 e 14 anos, pois eles moram com a gente no
esquema da guarda compartilhada – uma semana sim, uma semana não. Nesta sexta estavam
chegando para passar uma semana. Passado um tempo, as contrações voltaram de forma
esporádica, mas já nos deram o alerta de que poderia ser nesta noite mesmo. Resolvemos dar
uma passada no mercadinho do lado de casa para abastecer a casa com comidas gostosas para a
hora do parto. No mercadinho as contrações aumentaram um pouco e já estavam a cada dez
minutos mais ou menos. Voltamos, pedimos um lanche e continuamos conversando esperando
as crianças.
Quando eles chegaram foi engraçado, pois comentaram que talvez fosse a última semana deles
em casa sem o bebezinho. Rimos, pois dissemos que tinha chance de ser naquela noite.
Explicamos mais para eles sobre o parto natural e ficamos batendo papo nós quatro e tiramos
fotos para marcar aquele momento de espera do Artur.
Eu já estava um pouco preocupado, pois o lanche estava demorando e queria que ela comesse
bem para estar com reservas de energia para o trabalho de parto. Finalmente o lanche chegou e a
Lígia já preferiu ficar mais quietinha no quarto e comeu seu lanche lá, enquanto eu conversava
com a pequena que deixaria de ser a caçula em casa. Ela me contava que havia sido escolhida
representante dos alunos na escola e que participaria da reunião do Conselho junto com outros
representantes dos alunos, pais, professores e a diretora. Com os três filhos (tem a mais velha,
de 20 anos, que já esta na faculdade e mora em outra cidade) os assuntos na nossa casa são
diversos – vão de carta de motorista a fraldas.
Apesar de já ser pai, nunca havia passado pela experiência de um parto normal e estava um
pouco ansioso. Fui olhar minha companheira no quarto e as contrações já estavam mais intensas
e com menos de dez minutos de espaço entre elas. Sumiu completamente da minha cabeça que
já deveria estar marcando as contrações no aplicativo. Fui conversar com os pequenos, avisar
que o parto provavelmente seria hoje. Lembrei para eles como ia ser este momento, que eles
poderiam escutar a Lígia gritar, que a doula viria em casa e que iríamos para o hospital, mas que
eles poderiam dormir tranquilo. No dia seguinte tinha as coisas para o café e para o almoço e
qualquer coisa eu dava uma ligada. Pediram apenas para eu dar uma avisada quando
estivéssemos indo para o hospital.

Lígia
De noite, depois das 20h, as contrações vieram mais fortes e regulares. O intestino soltou
mesmo. Continuei em contato com a doula. Era dia dos meus enteados virem pra casa. Meu
marido até perguntou se eu queria mudar algo disso, se preferia ficar sozinha. Mas eu estava
super tentando enfiar na cabeça que podia rolar aquela noite ou podia demorar muito ainda…
Então quanto mais normal seguíssemos a vida, melhor… Pedimos um lanche pra jantar e eles
chegaram, falando exatamente que “podia ser a última semana antes do Artur chegar”…rs… Eu e
o Paulo nos olhamos, rimos e explicamos que podia ser a última noite, porque algumas cólicas
estavam começando. Já tínhamos conversado bastante com eles ao longo da gestação, de como
seria mais ou menos o começo do TP em casa, de que não tem desespero pra ir pro hospital, etc.
Perto das 21h, coloquei uma bolsa de água quente (tiramos uma foto com as crianças nessa
hora, e to segurando a bolsa na barriga…rs…). Depois das 22h30, a doula me sugeriu outro
banho. A partir daí meu marido que já ficou mais ligado no tempo, no espaçamento entre as
contrações e em quanto tempo estavam durando. A noção de tempo já distorceu completamente

pra mim… (só sei mais ou menos dos horários daqui em diante pelo que eles me falaram depois.
Porque a minha sensação é de que tudo em casa passou muuuuuito rápido!). Nessa fase, as
dores aumentaram em intensidade e frequência. Lembro de falar com a doula por telefone, no
meio do banho (entendi que ela queria ver se eu estava conseguindo conversar e como…) e eu
estava preocupada que “não tinha nenhum outro sinal”, tipo bolsa rompida ou tampão. Ela de
novo me tranquilizou.
Paulo
A minha esposa trocou mensagem com a doula e foi para o banho. Lá as contrações já estavam
bem intensas, com menos de 5 minutos entre elas minha esposa já estava bem introspectiva.
Fiquei junto com ela tentando repassar tudo que eu deveria fazer. Em um dos intervalos fui
levar boa parte das coisas para o carro e ficava pensando em um casal de amigos que teve o
parto tão rápido que a parteira não chegou e o pequeno nasceu no chuveiro. Voltando tentei
contato com a doula e fiquei ansioso por não conseguir de imediato, mas passado um tempo ela
me ligou e falamos do ritmo intenso das contrações.
Ela disse que talvez o melhor seria ela não vir pra casa e nos encontrarmos direto no hospital, já
que as contrações estavam ritmadas. Falei também com a parteira de plantão e ela nem
mencionou ir para o hospital, de forma que fiquei confuso. Ela pediu também para eu mandar as
contrações do aplicativo que eu não estava marcando… rsrs… Antes quando imaginava estas
horas do trabalho de parto não me imaginava ansioso ou confuso, mas na hora foi como me
senti. Queria falar para doula que me sentia mais tranquilo dela vir aqui para casa e irmos juntos
para o hospital, mas acabou que não falei isso e falei para irmos então para o hospital. Tento
repassar estas conversas na cabeça, só que não me lembro direito, mas com certeza eu fiz
confusão nos diálogos.
Então falei para minha companheira que era para irmos para o hospital. Tudo pronto. Fui avisar
as crianças, mas estavam dormindo já. Fomos saindo do apartamento para chamar o elevador,
toca meu celular: era a parteira Paula. Falei da conversa com a doula e ela pediu para ficarmos
em casa que a Cibele estava vindo. A doula Carla ligou também e falou a mesma coisa.
Voltamos para dentro do nosso apartamento e ficamos na sala. Passado um tempo minha esposa
perguntou se eu havia pegado a malinha do bebê. Fiz que sim, mas na verdade se tivéssemos ido
para o hospital naquela hora teria esquecido a malinha do bebê! rsrsrs
Lígia
Cada vez mais ia me sentido mais grogue… Lembro de uma das últimas coisas “racionais” que
disse pro meu marido foi: pega meu celular, tem um grupo de plantão do Coletivo, e o telefone
da parteira de plantão hoje, acho que é a Paula. Depois disso, fui ficando mesmo cada vez mais
entregue pro processo: pra olhar só pro meu corpo, respirar a cada dor que vinha, sentir que ia
passar. E vocalizar! Não achei que eu era seria uma mulher a vocalizar tanto durante as dores…
Mas lembro de fazer sons de dor conforme elas vinham… (num dos momentos até perguntei pro
Paulo se achava que estava assustando minha enteada mais nova. Ela falou que ela já estava
dormindo. Lembro de pensar: bom, se ela ficar assustada, a gente tem depois tempo pra
descontruir com ela a ideia de que é um processo negativo…).
Fim do banho. Quase fomos pro hospital direto, encontrar a doula lá. (Acho que meu marido
estava na cabeça com a história de um casal de amigos que teve um parto tão rápido, sendo o
primeiro dela também, que nasceu no chuveiro, antes da parteira chegar. E a doula tinha tido
uma gestante que conseguia falar entre as contrações mas evoluiu super rápido também…). Eu
cheguei a brincar com o Paulo que o banho estava tão bom que eu não sairia dali…rs… queria
transformar em um parto domiciliar…rs… Não sei se assustei mais o marido…rs…
Enfim: quase na saída de casa, a Paula parteira liga e pede pra não irmos ainda. Me perguntou se
eu estava sentindo vontade de fazer força. Não estava. Pediu pra esperarmos que a Cibele viria
me ver em casa. Voltei e deitei no tapete da sala. (Lembro de ver as malas que meu marido tinha

juntado na porta e não ver a mala do bebê…rs… Perguntei se ele tinha pegado e ele solta um
assertivo “ahãm!”. Depois passa discretamente com a malinha e põe junto…rs… Histórias que
ficarão pra contarmos pro Artur quando ele for maior…rs…)

Virada da noite e chegada da doula e parteira

Paulo
Finalmente comecei a marcar as contrações no aplicativo e estavam um pouco mais espaçadas.
Neste momento a Lí ficou deitada tranquila no tapete e eu comecei a fazer novamente o
movimento de repassar as coisas na cabeça que eu deveria fazer. Colocamos música, avisei o
porteiro que chegariam duas pessoas para ele deixar entrar sem interfonar e ficamos juntos.
Fiquei numa felicidade tão grande quando a doula chegou!!!
Logo depois chegou a Cibele do coletivo nascer e fiquei bem tranquilo. Olhou o coração do
bebê e estava tudo normal. Ela mediu dilatação também, mas não falou quanto estava e também
nós não perguntamos. Passado um tempo que elas haviam chegado me bateu o cansaço, era de
madrugada já, a semana havia sido cansativa. Elas falaram para deitarmos um pouco e
tentarmos descansar.

Lígia:
A coisa foi intensificando, eu ficava meio arqueada com as costas pra cima e as mãos apoiadas
em algo – nessa hora, no sofá da sala. Não lembro que horas eram quando doula e parteira
chegaram. A Carla fez massagens maravilhosas… Lembro de sentir alívio na lombar conforme
as contrações vinham e ela apertava meu quadril. A Cibele, obstetriz, pediu pra me examinar,
fez o toque e ouviu o coração do bebê, e disse que tava tudo certo, evoluindo. Eu não quis saber
números (da dilatação) e foi ótimo assim. Tinha medo de ouvir um “2 de dilatação” e me
desanimar e desacelerar o processo.
Observaram mais um pouco. Ainda estavam contrações irregulares, então sugeriram de não
irmos naquela hora pro hospital. O que foi ótimo. Por um lado eu queria ir logo, meio por achar
que era entrar na “próxima etapa” e tudo se apressaria e terminaria. Mas… num é assim, né! rs…
Aproveitamos pra dormir um pouco, eu e meu marido. Eu dormia entre as contrações, e lembro
de apagar mesmo… até sonhar. Lembro de dois pensamentos: o banho era ótimo e brinquei que
ia virar um parto domiciliar, porque eu não queria sair dali; e fiquei feliz quando a obstetriz
chegou, porque pensei “qualquer coisa, ela tá aí pro parto!” rs….
Elas me perguntavam de tampão ou sangue, conforme eu ia ao banheiro. Nada. Voltei pro
banho. Parece que pelo que elas observaram as contrações ainda estava irregulares. Banhos
depois, ritmaram. Vomitei (e lembro de ficar feliz que era outro sinal…rs.. porque tava encanada
com isso…rs..). Bobeira! A doula me acalmou! E usou uns óleos… Lembro de cheirar um bem
bom, pós enjoo (acho que era o de hortelã, que já tinha usado na gestação).
Depois (antes ou depois?) tive ainda outro sinal: veio um sanguinho ao fazer xixi… Uhuuuuu!
Mais um bom sinal! Nunca fiquei tão feliz de ver sangue saindo de mim… rsrsrs Sei lá que horas
eram… e se to realmente contando na ordem, porque, como disse, a noção de tempo ficou
totalmente embaralhada na minha cabeça…
Quando não estava no banho, ficava ou nessa posição arqueada e com as mãos apoiadas, ou
deitada de lado. Dormi entre as contrações. Num dado momento, meu marido me abraçou e
dormiu comigo. Acho que tinham colocado a lista das músicas do parto (ou parte dela…rs…).

Paulo
Conseguimos dormir abraçados entre as contrações. Quando aconteciam as contrações eu ficava
num estado que não era dormindo nem acordado e senti que estávamos conseguindo descansar
um pouco. Em determinado momento sonhei algo e acordei desperto, fui para a sala e vi que
elas estavam marcando à distância as contrações e falei: “então vamos para o hospital?”. Elas
fizeram uma cara de interrogação e me perguntaram se a Lígia tinha falado alguma coisa. Eu dei
conta que era eu que estava novamente ansioso de ir para o hospital ou havia sonhado algo.
Elas foram para o quarto e falaram para minha companheira ir para o banho novamente. Minha
esposa vomitou no banho. Não fiquei preocupado. Lembrei que isto podia acontecer no trabalho
de parto. Este foi um momento que senti que minha esposa estava começando a ficar
preocupada com a evolução do parto. Acho que a equipe também percebeu isto e saindo do
banho a parteira falou que podíamos começar a nos preparar para ir para o hospital.

Lígia:
Lembro de ver a doula e a parteira no sofá da sala e ter duas preocupações bobas (uma mente
controladora não se desliga assim, tããão facilmente…rs…). Falei pra doula: “eu sei que não devia
me preocupar com isso, vc avisou, mas… vocês comeram?” rsrs… Pra mim, receber alguém em
casa é dar comida pra essa pessoa! rs… Como assim elas estavam ali há um tempo e eu nem
ofereci nada pra comer?…rs… Tinham comido sim. E falei pra parteira: “Cibele, desculpa, acho
que te chamamos muito antes”. E ela, sábia e certeira, disse algo como: vocês chamaram
quando precisaram (ou “quando foi importante pra vocês”). Linda. Lembro de ter sorrido e me
apaziguado com aquela fala.

Ida pro hospital
Lígia:
Algum tempo depois (horas?), a Cibele me examinou de novo e sugeriu de irmos pro hospital.
Lembro de ficar feliz! Senti um gás de ânimo, tipo “está rolando!”. Acho também que ela sacou
que pra gente era um passo “pra próxima fase” e pra nos sentirmos seguros. Acho que eram
umas 4h e pouco da manhã (depois me falaram 5h, na real). Mas minha sensação era de que
tinha passado 15 min só desde o início de tudo…kkk
Distorção da noção de tempo! Muito louco! Talvez isso tenha sido o que mais me marcou nessa
experiência toda…
Descendo pro carro, lembro de brincar com meu marido: “pro próximo filho a gente vai agendar
cesária”! E ele: “uau, está até falando em próximo filho!” rs… Andar de carro com aquelas dores
foi difícil. Fui deitada no colo da Carla, e lembro de no caminho perguntar de remédio pra dor.
Acho que foi dos momentos em que mais cogitei chegar e pedir anestesia.

Paulo:
Eu estava um pouco nervoso, mas muito feliz. Havíamos conferido o combustível antes e havia
dois risquinhos e achamos que estava tranquilo, mas foi ligar o carro ascendeu a luz da reserva o
que me deu certa preocupação. Minha esposa no carro começou a falar de remédio e analgesia,
mas ninguém comentou. Eu ligava música e desligava. Pensava se falava alguma coisa ou não,

se tentava conversar normalmente ou não. Decidi ficar quieto e me concentrar o máximo
possível no caminho, dirigindo devagar. Em alguma contração tentei falar algo para minha
esposa.
Eram já mais de 5 da manhã da madrugada de sexta para sábado e vi no carro da frente um
menino colocar a cabeça para fora do carro para vomitar. Eu pensava: muitas pessoas estavam
voltando da balada e gente aqui indo para o hospital receber uma criança. Quando passamos
pelo carro em que o menino vomitava um dos passageiros deu um gritão para fora do carro e eu
levei um baita susto. Mas estávamos chegando ao Hospital Sepaco já!

Lígia
Chegando lá, notei que eu estava em outro estado… Não abria muito os olhos… Me colocaram
numa cadeira de rodas (o que aceitei de bom grado…rs… Antes, não me via entrando assim no
hospital: meu imaginário era de que iria chegar de boa, andando, arrasando nas posições
verticais…rs… ) Lembro de sentar na cadeira e ficar de cabeça abaixada quase todo o tempo. A
obstetriz avisou que éramos do Coletivo e que minha médica estava chegando. Passando pela
triagem, foram me examinar. Nessa hora a moça do hospital já falou alto “nossa, 7 pra 8 de
dilatação, bebê menos 1 e colo fino”. Quase dei um pulo de alegria! Check, check, check! Sabia
que eram ótimos sinais de que tava engrenando. Talvez tenha mesmo dado um pulo, porque
quando levantei, minha bolsa rompeu… Fiquei mais feliz ainda!! rs… e veio um enjoo de novo!
Nessa hora, me pediram pra trocar de roupa e subir pra sala de parto. Fiquei lá uns momentos
sozinha, enquanto a equipe e meu marido se trocavam. A doula já tinha me avisado desse
momento, então me mantive concentrada: em mim, no meu corpo, no momento. Enquanto
esperava eles chegarem. Foi importante pra mim saber desse momento, porque evitou que eu
ficasse tensa ou ansiosa por estar sozinha. Acho que fiquei umas 3 contrações sozinha lá. Se não
me engano, apaguei a luz. Decidi ir pro banho. Eles chegaram.

Paulo
Chegando ao hospital eu estava preocupado com a entrada e em como seria. O tempo de fazer a
ficha parecia uma eternidade. No pré-natal enfatizavam que tendo algum problema com a
equipe do hospital era o pai que deveria estressar e pressionar para resolver. Era uma parte que
eu nunca gostava de ouvir, pois afinal estávamos nos cercando com uma equipe escolhida a
dedo e ainda assim eu deveria me preocupar com possíveis posturas ruins. No fim, com exceção
do segurança na entrada que queria barrar o acompanhamento da doula e da parteira, deu tudo
certo nesta parte.
Com a médica do hospital, para dar entrada, vimos mais sinais de que o Artur estava chegando,
pois tinha dilatação de 7 cm para 8 cm e a bolsa estourou pouco depois do exame. A médica
acelerou a equipe para a Lígia ir logo para a sala do centro cirúrgico e minha esposa sorridente
me disse: “agora não dá mais tempo de anestesia, né?”
Subimos juntos, mas por um breve momento tivemos que nos separar para eu colocar a roupa e
a Lígia ficaria um pouco sozinha. Foram de apertar o coração esses minutos esperando para
pegar a roupa, imaginando que o Artur poderia estar nascendo. A enfermeira do hospital queria
que eu assinasse um documento e percebeu meu nervosismo e tentou me tranquilizar. Nos
minutinhos que fiquei sozinho – já eram mais de seis da manhã – mandei mensagem para minha
filha mais velha, contando que seu irmãozinho ia nascer, e chorei sozinho aguardando para
reencontrar minha companheira.

Lígia
Quis deitar. Foi curioso porque (antes do TP) eu me imaginava abusando das posturas em pé…
rs… e na hora eu só queria ficar deitada…rs.. e apertava a mão de quem estava na minha frente,
de quem desse, no momento em que vinha a dor. Lembro também do cheiro do óleo de lavanda
e das massagens na lombar que minha doula fazia.
Daí até o final do parto foram cerca de 3 horas… Mas a minha sensação era de que tinha passado
muito mais! Achei que já estava de tarde, e lembro de, em algum momento, perguntar a hora pra
alguém. Ainda era umas 7h da manhã… Tive noção de que minha percepção do tempo estava
bem distorcida.
Lembro de ficar falando em vários momentos que tava cansada, que queria que terminasse
logo… O tempo era minha preocupação! Eu achava que estava demorando… Mas sempre que eu
falava isso, me explicavam que não. Que estava evoluindo bem. Lembro inclusive de ver as
caras tranquilas da equipe…
Quando chamei a médica pra perguntar de anestesia, lembro que perguntei algo como “se eu
tomar anestesia vai ser mais rápido?”. Meu foco era mais o tempo do que necessariamente
passar a dor. Tinha combinado uma palavrinha chave com meu marido, caso quisesse mesmo
anestesia. E lembro de não ter falado! Lembrei em um dado momento dela, mas com a clareza
de “não quero, não falei até agora…”
Fizemos uma posição de spinning baby na cama. Mas lembro de doer muito quando a contração
vinha e não ser gostoso ficar na posição. Tomei mais um banho, a médica sugeriu usar a
banqueta pra fazer lá uma posição em pé, com uma perna elevada. Sentei na banqueta e
conversei com meu marido e com a doula (dias depois, vi que a Cibele tirou umas fotos lindas
desse momento… minha cara é de canseira e preocupação… mas a esfera ao meu lado, da doula
e do marido, são de muito apoio e segurança… amei essas fotos)
Novamente, ali, minha preocupação era o tempo: “ta acabando?”, “vai demorar?”. Todos me
respondiam que estava evoluindo super bem. Lembro da Patrícia, obstetra, falando: “tá indo
rápido sim, pra primeiro parto! Fica tranquila”. Aquilo de fato me tranquilizou.

Paulo
Minha esposa pegava na minha mão sempre de um mesmo jeito a cada contração. Eu tentava
ficar tranquilo e apoiá-la. Quando médica do Coletivo Nascer chegou, foi muito interessante
como ela não se colocou na liderança do parto, mas numa postura discreta, acompanhando e ao
mesmo tempo nos passando segurança que tudo ia bem.
A Lígia se revezava da cama para o chuveiro e falava às vezes que estava doendo muito.
Quando ela falou “Socorro, me ajuda” tocou meu coração. Mas tínhamos uma palavra
combinada que ela usaria caso quisesse realmente anestesia. A palavra era “Coloca a plaquinha”
– uma brincadeira nossa, referência à plaquinha que eu uso na boca para dormir. Então eu
apoiava minha companheira, mas sabia que se ela estivesse realmente querendo anestesia ela
falaria pra mim essas palavras. Ela conversou com a médica sobre e vi que ficou mais tranquila.
As contrações estavam menos espaçadas e mais intensas, mas no intervalo entre elas minha
esposa chegava a dormir profundamente.
Na sala de parto os momentos eram variados, na contração todo mundo ficava atento e nos
intervalos eram momentos que relaxávamos um pouco e eu conseguia ordenar meus
pensamentos. Era engraçado, eu queria tirar fotos e sorrir porque estava feliz que com o
nascimento chegando, mas ao mesmo tempo era sacanagem eu tirar uma foto sorrindo e meu
amor com aquela expressão de dor.

Momentos finais: chegada do Artur

Lígia
Continuei tentando descansar entre as contrações. Dormia em algumas… Um dado momento a
obstetriz que estava comigo até então veio avisar que ia trocar o plantão, e a Jéssica estava
chegando. (Pelo que soube, depois, devia ser então cerca de 8h da manhã…). A próxima
parteira que veio me deu um gás de que tava acabando. Depois de observar um pouco,
perguntou se podia me examinar pra tentar ajudar em algo. Achei bom. Senti muita confiança.
Ela examinou e disse que havia uma parte da bolsa atrapalhando a saída da cabeça do bebê (não
sei se é exatamente isso, mas foi meio o que entendi e que lembro..rs…). Ela pediu pra ajudar a
tirar na próxima contração. Achei interessante! Algo podia mudar!
Rolou!… Depois de uns minutos, veio a vontade de fazer força. Saí da cama e fui pra banqueta,
sentar. A parteira sugeriu que eu sentisse a cabecinha dela. Hesitei um pouco… mas topei!
Coloquei a mão e senti o topo da cabecinha dele. Muito legal e muito estranho ao mesmo
tempo! rs.. (tem um vídeo feito pela doula muito engraçado desse momento..rs… da minha
reação de espanto ao sentir os cabelinhos do meu filho ali! )

Paulo
Minha esposa dava sinais de cansaço com o trabalho de parto, havíamos passado a noite inteira
praticamente sem dormir e ela demonstrava ansiedade para o nascimento. Foi quando a
enfermeira obstetriz Jéssica perguntou se poderia examinar para ver se poderia ajudar esse
bebezinho a achar o caminho aqui para fora. Minha esposa abraçou essa conversa e se conectou
com a Jéssica. Ela examinou e disse que havia um pouco da bolsa atrapalhando a saída do bebê
– se ela poderia na próxima contração tentar abrir esse caminho. Minha esposa aceitou e foi o
que foi feito e parece que este foi o momento que começou o expulsivo, pois ela começou a
sentir vontade de fazer força. A cada contração neste momento eu me emocionava bastante,
sentia vontade de chorar. Inicialmente tentava não demostrar para minha esposa, mas logo foi
impossível e percebi que eu não precisava esconder porque era expressão da nossa conexão.
Não era um choro de medo, mas de envolvimento com tudo que estávamos sentindo ali. Percebi
que era um fortalecimento para ela ver seu companheiro, assim como ela, entregue para aquele
processo. Depois ela brincou, falando que chorei mais que o Artur no parto! rs…
A conexão dela com a parteira Jéssica foi grande, a ponto de em um momento entre as
contrações, quando a Jéssica saiu para avisar a pediatra, a minha companheira já perguntar –
“Cadê a Jéssica?!” rs… Em algum momento dessa fase, vão escutar o coraçãozinho do bebê e eu
mostro pra Lígia como a Jéssica já está com o sonar lá embaixo.
Este momento produziu uma das cenas mais engraçadas do nosso parto. A Lígia, quando
imaginava o parto, falava que gostaria que eu fizesse ela rir: uma porque amamos rir junto das
coisas da vida e outra porque ela falava que o riso era uma forma de abrir caminho para o
nascimento. Mas quem fez a gente rir no parto foi ela mesma! rs… Primeiro quando vamos tirar
uma foto e ela está completamente em outro planeta, mas mesmo assim interage com a gente na
foto. Depois quando a parteira fala se ela quer colocar a mão para sentir a cabecinha do bebê.
Inicialmente ela diz que não, que achava estranho (E eu estava lá quase, pedindo para eu colocar
a mão! rs…). Mas a Jéssica e a Carla insistem que é legal: foi sensacional a cara dela quando ela
sente a cabecinha do bebê. Com certeza um Gif daqueles que todo mundo compartilha para
diversas situações…
Foi muito engraçado também a Jéssica falando para a Lígia, quando viesse a contração, puxar o
ar e soltar o ar lá embaixo no ventre. Minha companheira é professora de Yoga, sabe tudo de

respirações, mas ela perguntava várias vezes: “Como é mesmo que preciso fazer, Jéssica?”
Neste momento eu estava atrás dela na banqueta e ria do jeitinho lindo dela…
Nossa doula, prima da Lígia, nos passava confiança em todo momento com suas intervenções,
com seus olhares e com sua expressão de felicidade. A experiência de sentar atrás da minha
esposa na banqueta neste momento do trabalho de parto é indescritível. Sentia-me totalmente
conectado com ela e a cada contração ela me apertava e parecia que eu transmitia realmente
força para ela, ajudando neste momento intenso. Eu já não conseguia conter as lágrimas e sentia
que o Artur realmente estava chegando.

Lígia
Tempos depois, a parteira perguntou se era meu marido que iria pegar o bebê, e o chamou pra
sentar na minha frente. Então o Paulo, que estava me dando apoio sentado atrás, trocou de lugar
com a doula, pra segurar o bebê. Lembro de, mesmo cansada, me sentir feliz… Era mais um
sinal de que todo aquele processo (lindo e louco!) estava chegando ao fim.
A Jéssica então me explicou uma maneira de respirar e de fazer força… Lembro que foquei
muito nela… Me senti segura com essa condução e ficava fixa nas ajudas que ela me dava. Por
uns instantes, ela saiu da sala e quando vi meio que desesperei e perguntei por ela! Me disseram
que havia ido legar pra pediatra. Pediatra? Deve ter uma criança chegando mesmo, então! rs…
Mais um sinal de que meu filho tava quase nascendo… (de que aquela loucura e canseira e dor
estavam pra terminar…)
Algumas poucas contrações depois, e muita força lá embaixo, o Artur nasceu. Senti queimando,
o tal “círculo de fogo”. Como queima!! Mas… sabia que estava acabando. Lembro de berrar. E
sentir alívio imediato conforme ele saía (nas fotos depois, dá pra ver que eu aperto e mordo a
mão da doula nessa hora…rs…)

Paulo
Até que a parteira perguntou se eu iria pegar o bebê. Sim!! Fui para frente da minha esposa na
banqueta e me posicionei. A Jéssica disse que ainda não precisava colocar as mãos. Lembrei-me
da última consulta coletiva na qual uma pergunta de outro pai sobre como seria pegar o bebê fez
com que as profissionais do Coletivo Nascer descrevessem detalhadamente este momento. E fui
vendo cada passo descrito acontecendo na minha frente com muita emoção. A cabecinha do
Artur estava aparecendo. Eu, numa mistura de riso e choro comecei a conversar com ele: “Pode
vir, filho, que a gente tá te esperando! Vem, Artur, devagarinho com cuidado com a mamãe”
E falava com minha esposa também: “Meu amor, nosso pequeno tá chegando! O Artur tá vindo!
Aguenta mais um pouquinho!” Que emoção indescritível! Vi a cabecinha sair mais ainda na
contração seguinte. Tomava cuidado para não encostar no períneo e a Jéssica do meu lado dizia
que era isso mesmo. Tava tão perto! Na próxima contração a cabeça desceu mais e encostou na
minha mão! Chorei e ri, era a primeira vez que a cabeça do Tutu encostava na minha mão. As
contrações tinham menos espaços entre elas e logo veio mais uma. Olhava intensamente pra sua
cabecinha, mas não via seu rosto – ele estava de costas para mim, como haviam descrito na
consulta coletiva. Na última contração ele fez um giro com o ombro e nasceu em minhas mãos.
Passado um segundo nosso bebezinho chorou. Eu falava pra minha companheira: “Nasceu, meu
amor! Nasceu! O Artur chegou!” Fiz direitinho como haviam nos educado: nem trouxe o Artur
para meu peito (pois poderia romper o cordão e o primeiro pele a pele é com a mãe), nem levei
direto para ela, pois a Jéssica havia nos dito naquela consulta anterior que a mãe precisa de um
tempo para entender o que aconteceu. Que precisamos esperar ela pedir o bebê. A médica só
orientou sutilmente para virar o Artur e foi o que fiz. Nestes dois segundos minha esposa olhou

com uma cara que nunca vou esquecer e pediu nosso filho. Levei nosso filho pra ela, me
acabando de tanto chorar e ficamos os três juntos com uma felicidade do tamanho do mundo.

Lígia
Meu marido falava com o bebê, e comigo, me encorajando. Segundos depois o segurou, aos
prantos. O Artur nasceu roxinho – e eu sabia que tudo bem. Pouquinho tempo depois, chorou
alto. Lembro de vê-lo à minha frente, tão pequeno e tão grande, nas mãos do meu marido
amado… Minha ficha caiu! E peguei esse meninão no colo, já boba! Que delícia a experiência
de segurá-lo nos meus braços logo ali… melecadinho e chorão!
Eram 8:55 da manhã de sábado, do dia 6 de abril. E nunca vou me esquecer dos primeiros
segundos em que falei com meu filhote olhando-o no olho, segurando ele no meu colo!
Tempos depois, subi pra cama, sempre com ele no colo, embrulhadinho… Apaixonada já. Sentia
uma ardência nas partes baixas (rs… nos “fundilhos”, como passei a chamar nos dias
seguintes…rs…) mas a alegria era imensa e me fazia ficar interagindo com a equipe. Saiu a
placenta um pouquinho depois… Nossa doula (minha prima!) que cortou o cordão, com auxílio
da pediatra. E fez o carimbo da placenta – que vamos guardar com carinho! A Thais, pediatra,
olhou o Artur, ainda no meu colo: tudo certo! Eu já tinha colostro, ele mamou um pouquinho…
Emocionante também! O pai o pegou pra pesar um tempo depois… Tudo ali do meu lado.
E aí passamos pra fase de avisar a família! Foi uma delícia dar uma notícia tão gostosa e me
sentindo tão bem com a experiência! Falamos por vídeo com alguns deles e lembro muito da
cara dos meus pais de quase não acreditarem! rs… A equipe, respeitosa, presente e segura, fez
toda diferença! Sou muito grata pelos cuidados, pela forma como foi tudo…

Paulo
Nos momentos seguintes, a mamãe docinho que acabara de nascer ali também, estava
engraçadíssima e, apesar do seu enorme medo de agulha, não teve tempo de ter medo quando
tomou rapidamente uma injeção na perna que tinha a ver com o sangramento. Logo começou a
fazer piada com a equipe que elas haviam enganado ela, que era só nascer o Artur que não
sentiria mais dor…rs… Mas o meu amor era uma felicidade só com os bons ventos que,
finalmente, nos trouxeram o Artur. Ele nasceu muito bem! A nossa querida doula cortou o
cordão e fez um carimbo com a placenta, que saiu uns vinte minutos depois.
Nosso bebezinho ficou toda essa primeira hora juntinho da mãe e de mim e eu não via a hora de
contar para os meus filhos, para os meus pais e para os meus sogros. Passado um tempo nós
ligamos e todos amaram a notícia! Eu senti tanto amor por todos e senti que nosso Artur chegou
para fortalecer ainda mais todos da nossa família!!

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